Nessas pesquisas que às vezes tentam abrir a caixa de Pandora dos desejos femininos mais secretos, costuma aparecer uma fantasia recorrente: fazer sexo com um desconhecido. Entregar-se livremente a um completo estranho, sem saber nada sobre o seu passado e de preferência ficar distante do seu futuro. Esse é um desejo comum entre as mulheres, poder viver alguns momentos de prazer puro e simples, longe de qualquer intenção que não seja apenas gozar e fazer gozar. Em um mundo tão racional e complicado, ter a chance de se render aos instintos mais animalescos possui um apelo bastante sedutor. Mas, ao contrário dos filmes de Hollywood em que basta um olhar determinado para que um homem interessante nos siga até o banheiro mais próximo, na vida real não é tão simples assim realizar essa fantasia.
Estamos em uma era excessivamente verborrágica, tudo precisa ser falado, explicado, demonstrado, escrito. As pessoas estão cada vez mais desconectadas dos seus instintos, das suas percepções sensoriais, dos seus sentimentos. Um homem (obviamente não são todos, mas estou generalizando) já tem dificuldade em perceber por palavras e gestos (durante dias, semanas, meses) se uma mulher está a fim dele, imagine perceber em um relance uma intenção de trepada. Mesmo que ele identifique essa vontade, dificilmente acreditará que é para valer.
O caminho mais natural depois da troca de olhares é a conversa. Falar, falar, falar para tentar descobrir quem é aquela pessoa, quais são suas intenções e se existe mesmo uma “química” que proporcione o mínimo de garantia para avançar para o próximo passo. Depois de tudo isso, provavelmente o desconhecido já não vai parecer mais tão estranho, no mínimo estudou na mesma escola que um primo, conhece alguém do seu círculo profissional, talvez já tenha até beijado uma amiga em comum.
Mesmo que essa aproximação termine em sexo, para mim esse roteiro não faz parte da fantasia de transar com um desconhecido. O tesão desse fetiche consiste exatamente em pular todas as etapas anteriores, atrair o macho feito cadela no cio. Chamar a atenção do homem com um olhar, uma cruzada de pernas, uma virada lenta de cabeça, um movimento sutil no ombro. A fantasia só acontece se você realmente não se importar com quem seja aquele homem, o único interesse é a troca de prazer.
Quanto menos diálogo e informação melhor. A ideia é ser possuída por um desconhecido, que não terá nada além dos próprios instintos para se guiar. O mais gostoso em imaginar essa fantasia é vislumbrar a possibilidade de viver um momento inteiramente profano e espontâneo, um encontro em que os corpos e sua linguagem própria são mais importantes do que qualquer outra coisa.
Mas não é nada fácil colocar essa fantasia sexual em prática. Já transei no primeiro encontro mais de uma vez, porém nunca com um completo desconhecido, jamais em uma situação em que a linguagem verbal tenha ficado em segundo plano. Não foi por falta de tentativa, já lancei olhares, cruzadas de pernas, entretanto nenhum dos homens que cruzaram o meu caminho morderam a isca. Por outro lado, também nunca percebi um sinal claro de que deveria seguir um homem desconhecido durante uma festa, quem sabe até pelo supermercado, até o estacionamento ou banheiro mais próximo para um sexo oral desesperado, uma metida improvisada contra uma parede qualquer, para um encontro de bocas que jamais se tocaram, mas que parecem compreender intimamente a necessidade uma da outra.
Sou apaixonada por uma das cenas iniciais do filme Último tango em Paris (não é a famosa da manteiga) em que o personagem de Marlon Brando diz para a jovem interpretada pela Maria Schneider que não quer saber seu nome. Os dois se encontram casualmente pelas ruas e depois em um apartamento para alugar, que transformam em refúgio, e fazem sexo sem se conhecer. Ele diz que naquele lugar eles não precisam de nomes e pede para que não revele nada sobre ela, nem sobre o que se passa com eles fora do apartamento. Fico encantada com essa ideia de apenas ser e gozar, sem histórico, estereótipos, sem tudo que carregamos nas costas. Veja abaixo a cena do filme, em inglês, porém fácil de entender mesmo para quem não está afiado no idioma.
Não sei se essa fantasia sexual feminina é mais uma utopia hollywoodiana, prefiro acreditar que não. Prefiro continuar a esperar que algum dia o meu desejo vibre na mesma sintonia que o de um gostoso desconhecido. Prefiro imaginar que esse homem sem palavras surgirá no meu caminho e desfrutará desse prazer efêmero comigo.
Texto por Para Pensar em Sexo